Dia 18 de maio é marcado como o Dia da Luta Antimanicomial, pensando nisso, na última terça-feira, dia 23 de maio, a jornalista e escritora, Daniela Arbex, veio ao Instituto Vianna Júnior, a convite da professora Cíntia Toledo, para uma palestra sobre o seu livro e documentário, Holocausto Brasileiro.
Durante a palestra, Daniela contou todo o processo de pesquisa sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena, o Hospital Colônia, que é marcado pelas atrocidades cometidas aos pacientes. O Hospital recebia pessoas com doenças mentais, pessoas que eram abandonadas pela família por serem tímidas, agitadas, depressivas ou por terem sofrido algum tipo de abuso. Lá, homens, mulheres e crianças dividiam o mesmo espaço. Os pacientes eram tratados de forma sub-humana, com banhos frios, comidas em situações duvidosas de conservação e tratamento de choque. Muitos morriam durante os tratamentos, outros de frio ou desnutrição.
Daniela Arbex relatou todo o processo de pesquisa e disse que depois de tudo o que descobriu, a única coisa que não consegue compreender é a maldade humana, “não consigo aceitar que alguém deixe o outro morrer de frio ou de forme”. A jornalista ainda levantou uma questão: “até quando vamos viver a banalização da maldade?”.
Confira o nosso bate-papo com a jornalista!
Como surgiu a necessidade de buscar mais informações sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena?
Quando eu vi as fotos que foram tiradas dentro deste hospital pelo fotógrafo Luiz Alfredo da revista O Cruzeiro em 1961. Aquelas imagens não me impressionaram só pela degradação humana, me impressionaram pelo fato da minha geração não conhecer nada desta história e isso mobilizou.
A história que é narrada no livro e no documentário são diferentes?
Eu penso que uma complementa a outra, porque nem todos os personagens que estão no livro estão no documentário e nem todos que estão no documentário estão no livro. No livro eles falam e eu conto, no documentário você vai ouvir deles. Isso também tem muita força.
Qual foi a parte mais difícil da pesquisa?
Acho que tivemos vários momentos difíceis. Uma das coisas mais difíceis pra mim foi a urgência, porque cada vez que eu chegava em Barbacena alguém tinha morrido e eu ficava desesperada pensando que deixei de dar rosto para aquela pessoa, de dizer quem era, de contar a história e isso me angustiava muito.
Durante as filmagens, quais foram as dificuldades de retratar?
A dificuldade nas filmagens foi entrar no Hospital de novo, a gente teve muita resistência , porque o livro já havia trazido todo aquele impacto, então eles já sabiam que um filme traria cinco milhões de vezes mais. Quebrar a resistência do Estado para entrar foi muito difícil. Foram dois meses de negociação para conseguir entrar. No final deu tudo certo, mas foi muito desgastante este processo.
Em 2013 você lançou o livro, hoje, após estes quatro anos de repercussão, o que você sente que despertou nas pessoas?
Houveram muitas mudanças, nem é possível contabilizar. Uma delas foi colocar novamente no centro do debate público a questão da saúde mental, a outra foi perceber que faculdades do Brasil inteiro, de psicologia, medicina, sociologia, direito adotaram o livro, servindo para o conhecimento. É isto que um jornalista quer, ele quer ser lido e mais do que ser lido, ele quer transformar a realidade social. Por isso, nada melhor para esta transformação do que a conscientização. Este livro é de conscientização.
Hoje, com o novo livro que você está criando, a vontade de conscientizar, permanece?
É maior, isso me mobiliza muito. Vontade de construir memória, vontade de falar de coisas que as pessoas querem esquecer, mas não podem, porque quando esquecemos, repetimos os mesmos erros, então a gente precisa construir memória para fazer melhor. Eu costumo dizer sempre: ‘a dor do outro dói mais quando é ignorada’. Não podemos ignorar a dor do outro e meu exercício é colocar o dedo na ferida e isso dói, dói em quem está ferido, dói em quem narra a história, dói no outro, mas eu não sei fazer outra coisa senão isso.
Sendo mãe e esposa, como é sua rotina de jornalista investigativa?
É difícil, eu falo que a culpa me acompanha por sair de casa deixar meu filho de 6 anos. (…) Eu achei que ele fosse crescer e entender mais, só que ele quer a mãe dele. Ao mesmo tempo que ele tem orgulho dessa mãe, ele quer essa mãe, não está nem aí para escritora, ele quer a mãe dele. É muito doloroso. O meu marido é um super parceiro, me ajuda em tudo. Sem ele eu não faria a metade das coisas, mas eu sempre penso que tem um objetivo maior. Eu preciso contar essas histórias, este é o meu papel. É o compromisso que eu assumi com minha profissão e é o que eu busco fazer.